Em 1968 Richard Serra filmou uma série de pequenos filmes em super-8 entre os quais “Hands Catching Lead”. Num plano fixo, a mão de Serra abre e fecha quando tenta agarrar pedaços de chumbo e, quando a ação é bem sucedida, imediatamente os deixa cair, reproduzindo o avanço intermitente e sincopado do filme.
Sob o pretexto de um experimento sobre mãos em ação, o filme de Serra é uma contundente reflexão sobre o trabalho escultórico em particular, e sobre a natureza do gesto artístico em geral. Distanciando-se da ideia de uma arte “retiniana”, na qual o olho controla a percepção da matéria, característica da história da arte até ao Modernismo, “Hands Catching Lead” evidencia a dimensão háptica da imagem, ao mesmo tempo que destitui o sentido da “finalidade” do gesto, e acentuando também a lógica da ação e da “consciência material”.
“Song for my hands” reúne 11 artistas de várias nacionalidades que exploram práticas artísticas distintas relacionadas com arte e técnica, em especial a relação entre pensamento abstrato e labor manual. São artistas instigados sobre os fluxos e as transformações dos materiais, o conhecimento adquirido através do “fazer”, e a performance política e ética do gesto. Do conjunto de trabalhos expostos sobressaem denominadores comuns que são elementos constitutivos da atividade poética dos artistas tais como o “pensamento manual” e a ideia de “processo”. E mais do que eleger ou protagonizar um material, expressa-se nesta curadoria um especial interesse dos artistas pelas “histórias dos materiais.
Mantendo uma propositada diversidade de meios técnicos, a exposição tem, assim, uma dimensão “tátil” omnipresente. Esta assume-se também como elemento crítico, especialmente quando vista à luz da arte brasileira, na medida em que procura contribuir para a reflexão e discussão sobre a percepção sensorial no âmbito artístico, e para a formulação do sujeito histórico dos sentidos.
Mostrando simbioses entre o pensamento rigoroso e a imaginação indisciplinada, a exposição “Song for my hands” aprofunda ainda as noções de artesanato conceitual e de indústria intuitiva, entendidas aqui como contraponto à lógica da produção industrial e do consumo em massa. Uma inevitável aceleração do mundo que afeta as condições da nossa percepção.
Brent Wadden, Flávia Vieira, Frank Ammerlaan, Iván Argote, Leonor Antunes, Nicolás Robbio, Paulo Whitaker, Richard Serra, Sol Pipkin, Tobias Putrih.
Lista de trabalhos
“Carmen”, em alusão a Carmen Miranda, incorpora uma via de mão dupla: a mão-instrumento fazedora e a mão-imagem que traduz e materializa um certo imaginário da cultura popular brasileira. “Hopes and Fears” é uma tecelagem produzida manualmente e parte de uma reflexão sobre o ensaio “Hopes and Fears for Art” (1882) de William Morris que procurou valorizar a produção manual em detrimento da produção industrial que, na época, começava a dominar a economia capitalista na Europa. Flávia Vieira
No trabalho selecionado para a Bienal, o pixo ganha uma dimensão domesticada quando é deslocado para dentro de um espaço da galeria. Trata-se da performance política do gesto contrariada pelos códigos reguladores do “cubo branco”. Ivan Argote
A “pintura” é um ponto de partida e um meio, usado através do fazer medidativo da tecelagem, resultando em composições geométricas tão visuais quanto táteis. Brent Wadden
I think the significance of the work is in its effort, not in its intentions. And that effort is a state of mind, an activity, an interaction with the world… The focus of art for me is the experience of living through the pieces, and that experience may have very little to do with the physical facts. Richard Serra
O trabalho é informado pela tradição do pensamento moderno da arquitetura e do design, mas não se priva de abordá-lo desde um ponto de vista mais sensível e poético, colocando o corpo e a experiência tátil como elementos centrais. Leonor Antunes
O “Inverno Trotskista” é uma construção formal e simbólica, esta composta por três elementos comuns, uma mesa de base, um desenho quadriculado em papel, como toalha de mesa e uma escultura de troncos como estrutura de discussão, colocando a História como marco. Nicolás Robbio
Através de uma paleta reduzida e uma quantidade não muito extensa de formas a pintura sobrepõem-se por camadas reveladas pelo uso de estênceis. Um jogo da superfície e da profundidade que resulta uma prática que constantemente se refaz. Paulo Whitaker
“Azul sube” convoca um espaço de participação com o espectador que enxerga no humor e na simplicidade um poder emancipatório do indivíduo e do coletivo. Sol Pipkin
A distorção de formas e de funcionalidades, unida a um interesse pelo corpo e envolvimento do público, pode ser entendida como uma defesa pelo caráter utópico da arquitetura e do design. Tobias Putrih
Frank Ammerlaan is walking an unconventional path: his work can best be interpreted as an extension, and perhaps even a renewal, of the alchemical tradition in contemporary art. Ammerlaan very deliberately combines untested techniques and materials ranging from the universal to the particular. Weathered and stained pieces of fabric, sewn in shapes and patterns, carry unusual materials such as powders and dust. The artist has been using different metal particles and alloys, presolar meteorite grains and even dust collected from inside the Oscar Niemeyer Museum. Ammerlaan has spent recent period in Brazil to produce a new body or work for the Curitiba Bienal. Frank Ammerlaan
Nessa série de peças em cerâmica, eu tento falar sobre a fragilidade das construções humanas e sobre o nosso esforço em contornar a ação do tempo, o qual conduz tudo e todos de volta à matéria bruta. Aqui o material utilizado é uma questão tão relevante quanto o objeto representado, porque do barro foi feito o vaso e o papelão, portanto a função de proteção que o papelão deveria exercer é anulada. Rodrigo Torres
Os trabalhos de Julia Kater têm a forte presença da linguagem do recorte, remetendo a algo cartográfico, por evocação de um território, e antropofágico, relativo à produção de imagens novas a partir de matrizes. Julia Kater
Curadoria
Marta Mestre
Textos de artistas
Julia Coelho
Coordenação editorial
Julia Coelho e Marta Mestre