É bem provável que criar um mundo seja, em parte, semelhante a conceber uma exposição. Ambos são atos narrativos com um início onde nada existe, um segundo momento em que os elementos levitam em expectativa, e o desenrolar da ação, no qual o território é tomado por seres, coisas e conceitos que tentam fixar-se.
Uma narrativa sobre o mundo, tal como uma exposição, podem ser relatadas segundo diferentes pontos de vista, e serem lugares de intensa experimentação e alteridade, se levarmos em conta o que diz o cineasta Werner Herzog: “é necessário afastarmo-nos da poluição visual das cidades para redescobrir puras e novas imagens”. Acrescentaríamos também novos pontos de vista para pensar os objetos.
Para além de narrativo, criar um mundo é também um ato cultural, e é por isso que se modifica permanentemente. Por exemplo, se é verdade que a descoberta do “inconsciente” aprofundou a procura de outros dentro de nós, estamos já plenamente situados num tempo em que os outros estão por toda a parte. Desconfiamos do “eu”, do seu referencial de verdade absoluta, e da possibilidade da linguagem dizer toda a realidade.
Na narrativa curatorial que aqui se propõe pediu-se o título – “se tudo é humano, tudo é perigoso” -, ao antropólogo Eduardo Viveiros de Castro. Ele é um dos pensadores que reforça o corte com o binarismo que desde sempre constituiu a tradição do “eu” ocidental. A sua noção de perspectivismo ameríndio propõe que busquemos a reflexão sobre o outro, experimentando-nos outros, sendo, para isso, indispensável a consciência de que noções como “sujeito” e “objeto”, “humano” e “não-humano”, “eu” e “outro”, são precárias, movediças e intercambiáveis. Esta possibilidade de ultrapassar o dualismo permite-nos pensar que não existe um conhecimento fundado na harmonia ou na unidade do exercício das faculdades.
A questão que agora nos surge é a reviravolta dos lugares de enunciação. Como equacionar que os trabalhos aqui apresentados podem ficar fora das relações binárias que sempre constituíram a nossa cultura e identidade? E que sentido isso faz dentro de uma feira de arte no Brasil?
Trouxemos para o centro da exposição um pequeno têxtil com grafismos do povo indígena Kayapó, e organizamos os restantes trabalhos. Os Kayapó não são “artistas” representados em nenhuma galeria da feira, e nem sequer fazem arte.
Subsequentemente, tentou-se encarar que os trabalhos em exposição podem ser pensados, vividos ou acreditados em termos animistas, ou seja, com uma alma, uma subjetividade e uma capacidade para actuar.
De que forma essa interioridade dos objetos, animada de intenções específicas, pode ampliar nosso olhar sobre o real e nossa experiência por meio da arte? Esta exposição propõe misturar crença e imaginação. Oxalá que nem tudo seja humano, que nem tudo seja só “arte”.
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DANIEL STEEGMANN MANGRANÉ
Sem título (apesã yvyku’i)
2012
Fibra de vidro e areia de Ipanema
Cortesia | Courtesy Galeria Mendes & Wood [São Paulo]
DEYSON GILBERT
Copo com água benta ao lado de copo de água comum
2010
Prateleira, copos e água
Cortesia | Courtesy Galeria Mendes Wood [São Paulo]
ADRIANO COSTA
Marajoara
2010
Caneta, madeira, tinta óleo e pigmentos
Cortesia | Courtesy Galeria Mendes Wood [São Paulo]
GUSMÃO + PAIVA
Cinematics (The Log Hypnotizer) | Cinemática (ou o hipnotizador de troncos)
2006
Filme 16mm, cor, sem som, 1’50’’
Agradecimentos | Acknowledgments : DGARTES, Ministério da Cultura, Portugal e ZDB, Lisboa
Cortesia | Courtesy Galeria Fortes Vilaça [São Paulo]
GUSMÃO + PAIVA
Fruit polyhedron | Poliedro de Frutas
2009
Filme 35mm, cor, sem som, 2’42’’
Produção | Production: Centro Cultural Inhotim, Minas Gerais, Brasil
Cortesia | Courtesy Galeria Fortes Vilaça [São Paulo]
GUSMÃO + PAIVA
Pot smaller than pot | Vaso menor que vaso
2010
Filme 16mm, cor, sem som, 2’25’’
Cortesia | Courtesy Galeria Fortes Vilaça [São Paulo]
TIAGO CARNEIRO DA CUNHA
Uma coisa meio de sexo ou morte violentos… (cristal rosa)
2009
Resina de poliester fundido, polido à mão
Cortesia | Courtesy Galeria Fortes Vilaça [São Paulo]
ERIKA VERZUTTI
Painted lady
2012
Bronze e pátina de cera
Cortesia | Courtesy Galeria Fortes Vilaça [São Paulo]
RODRIGO MATHEUS
Criptonita
2008
Laser, cristal de quartzo, suporte giratório, estrutura de metal
Cortesia | Courtesy Galeria Fortes Vilaça [São Paulo]
JIMMIE DURHAM
As Though it was a small Black Canyon
2010
pedra, plástico e metal
Cortesia | Courtesy Galeria Sprovieri [Inglaterra]
JULIETA ARANDA
We can remember it for you # 2
2010
Recipients de vidro, jornal, algodão, terra, sementes, água
Cortesia | Courtesy Galeria Marília Razuk [São Paulo]
RUBEM VALENTIM
Escultura Emblemática 3
1977
Escultura em madeira pintada
Cortesia | Courtesy Galeria Paulo Darzé [Bahia]
LÉON FERRARI
Autopista del Sur
1998
Heliografia
Cortesia | Courtesy Galeria Ruth Benzacar [Argentina]
LOTHAR BAUMGARTEN
Äskulap,
1971
Impressão cromogénica
Cortesia | Courtesy Galeria Elba Benitez [Espanha]
LOTHAR BAUMGARTEN
Norddeutscher Lloyd,
1970
Impressão cromogénica
Cortesia | Courtesy Galeria Elba Benitez [Espanha]
PEDRO NEVES MARQUES
Where to Sit at the Dinner Table | A Murta Tem Razões que o Mármore Desconhece
2011/12
Posters e projeção
Cortesia | Courtesy artista
EDUARDO GUERRA
História do tacto. Estereoscopia 1 e 2
2012
C/print
Cortesia | Courtesy artista
Grafismo realizado por índios Kayapó-Xicrin que
habita entre os rios brasileiros do Xingu e Tocantins,
no estado do Pará (Brasil).
Cortesia | Courtesy col. particular