Meditação, Transe é a exposição colectiva que acaba de ser apresentada numa das mais interessantes jovens galerias do bairro Jardins, em São Paulo, a Mendes Wood. Fundada em 2009, e com uma selecção criteriosa de artistas – do brasileiro Tunga ao catalão Daniel Steegmann -, a Mendes Wood apresenta uma programação que, segundo os galeristas, “pesquisa as diferenças regionais e as identidades individuais”, com o objetivo de promover “discussões colaborativas e cosmopolitas”. A Art Basel Miami, a Feira de Arte de São Paulo a recente Feira de Arte do Rio de Janeiro, a ARTEBA, de Buenos Aires, e um pé em Hong Kong são já etapas do circuito de mercado dos três anos de existência da Mendes Wood.
Meditação, Transe reúne trabalhos que cruzam arte, cinema, antropologia, lida com a ideia de ausência do material (incorporando o registo do ritual, da dança, da repetição), ou materiais perecíveis, e abre a porta aos estados alterados de percepção (místicos, new age, psicadélicos, primitivos).
Com um conjunto de trabalhos contundentes de Adriano Costa, Bas Jan Ader, Claudia Andujar, Maya Deren, Rivane Neuenschwander, Terence Koh, entre outros.
Meditação, Transe tem como pressuposto a ideia de que não vivemos num mundo inquebrantável, mas nesse vai-e-vem constante entre consciente e inconsciente, real e irreal, fluxo de trocas que favorece a emergência de formações simbólicas. O artístico reside, deste modo, num conjunto de estéticas dispersas, inexatas e imprecisas.
Pedro Mendes e Márcio Harum, curadores da exposição (Pedro Mendes é também um dos galeristas) encontraram em trabalhos de 18 artistas modernos e contemporâneos um possível mapeamento da auto-hipnose (Ryan McNamara, The Latest in Blood and Guts, 2009), da música/transe (Luis Gispert, Turbo Burbo, 2009), do movimento/dança (Maya Deren, Meditation on Violence, 1948), do “infinitum” (Adriano Costa, As you like it, 2010-2011), do “continuum”, (Rivane Neuenschwander, Reticências, 2000), etc.
Opondo “intenções empíricas” à “norma formalista ou historiográfica”, Meditação, Transe veicula a ideia de que há necessidade de afirmar a “preeminência existencial da arte em essência” por conta de uma dificuldade em situarmos a desrazão. Em tese, Meditação, Transe faz parte de um conjunto de reflexões curatoriais que através de um resgate fatalmente histórico (Maya Deren, Pierre Verger, por ex.), mas felizmente empenhado em abarcar as potencialidades do tema (do vídeo de Ryan McNamara à pintura em casca de árvore do aborígene John Mawurndjul), diz-nos que situamos mal a desrazão quando vemos nela um problema de relação entre o real e o irreal, um problema de projeção bastarda do imaginário no real. Porém não há conhecimento nem evolução sem este tipo de projeções.
É na relação do espectador com a variedade das propostas de Meditação, Transe que esta questão se cobra. Não é uma questão de imagem mas de imaginário, e portanto, um estado de atenção. É por esta razão que mesmo em fotografias realizadas com um fim estritamente documental (e o séc. XIX está cheio delas), existe uma ordem afetiva, estética e mística que advém dessas imagens, e altera seus estatutos. Somos capazes de ver “outras coisas”, para além de ser possível registar realidades derivadas de “excessos perceptivos”. Por estas razões “Economia do Transe” (2011) de Deyson Gilbert, escultura que orquestra o equilíbrio frágil entre cinco objetos – um deles, uma bandeira preta, e o outro, perecível: um cubo de gelo que derrete ao longo dia, colocando a obra em movimento e desintegrando-a, é um dos centros da exposição.