se comunicar com o outro, mas pode ser também um gesto, o que leva a este momento em que se sente que está em comunicação íntima com as pessoas. Uma ideia de beleza também me interessava – acho os Yanomami muito bonitos. Tivemos um calor humano entre nós. Mas isso levou tempo. E quando falo de tempo estou me referindo a anos.»
Em 1971, Claudia Andujar abandona a carreira de fotojornalista para se dedicar a um projeto autoral de grande escala. Inicia a elaboração de um longo ensaio sobre os Yanomami, que dura até 1977, com sua expulsão da área indígena e enquadramento na Lei de Segurança Nacional. Para a artista, tratava- se de fazer um registo para a posteridade de uma população de contacto recente, colocada em risco por planos acelerados de penetração do território Amazónico por parte do governo militar. Yanomami é um etnómino (nome dado a um povo) adotado por antropólogos, que quer dizer ser humano em oposição a napëpë, que significa estrangeiros. O aprendizado da cultura indígena é fundamental no trabalho de Andujar e isso está patente nesta exposição, através de algumas imagens da vida na casa
comunitária (shabono) e muitas delas registam o reahu, uma grande cerimónia que envolve várias comunidades, ingestão do alucinógeno yakoana, danças, abraços, transes. As fotografias procuram transmitir essaaprendizagem por meio do uso da luz, que simboliza o mundo dos espíritos (xapiripë) evocados pelos xamãs.
Num período de pouco menos de dez anos, Andujar fez uma longa imersão na cultura Yanomami e integrou-se no ativismo pelos seus direitos, com a criação da CCPY – Comissão Pró-Yanomami. Como referido, publicou em várias revistas da época, tais como o número especial Amazónia da revista “Realidade”, publicado em 1971, cuja reportagem de capa são as primeiras fotografias feitas na aldeia
do Maturacá. O livro “Amazônia”, parceria com o fotógrafo George Love e publicado em 1978, é um mergulho pelas paisagens da Amazónia e tem imagens feitas pela artista, na região do rio Catrimani. E do mesmo ano são “Yanomami” e “Mitopoemas Yãnomam”, este em parceria com o missionário Carlo Zacquini, que retratam em fotografias e desenhos indígenas a cultura deste povo. Outra publicação importante na carreira de Andujar é “Genocídio do Yanomami: Morte do Brasil”, publicado pela CCPY, para acompanhar a exposição homónima que aconteceu no MASP, em São Paulo, em 1989, no auge da campanha pela demarcação da terra indígena.
Entre 1981 e 1983, Claudia Andujar produziu uma série de retratos – Marcados -, feitos em circunstâncias muito diferentes daqueles nos anos 1970. Como parte do trabalho da CCPY, criou um grupo com a participação de médicos da Escola Paulista de Medicina, que percorreu quase a totalidade do território Yanomami com o objetivo de entender a situação de saúde daquelas populações. Andujar tinha como tarefa a recolha de informações, identificar e retratar cada um dos pacientes atendidos. Como os Yanomami não têm por cultura o uso de nomes próprios usava a técnica de identificação “marcando-os” com números. Os dados levantados serviram de base para o Relatório Yanomami (1982), documento fundamental para a demarcação da Terra Indígena, que continua a ser uma questão de grande atualidade no Brasil. Muitos anos depois, Andujar resolveu editar essas imagens como uma vasta série de retratos, agrupados por regiões. Para ela, este trabalho, talvez a sua mais importante série em torno dos conflitos causados pelo contacto, relaciona-se diretamente com sua biografia e a experiência com os estigmas racistas, que viveu durante a perseguição dos nazistas a seus familiares na Transilvânia. «Os judeus eram marcados com a estrela de Davi para morrer. Eu estava marcando os Yanomami para
que eles sobrevivessem», conta Andujar. (Curadoria Inhotim)